domingo, 13 de fevereiro de 2011

Ângulo novo em dia de chuva

 
Quando pensamos que já vimos o Paço por todos os ângulos, que já fizemos as melhores fotos possíveis, um dia  descobrimos que afinal há mais e que por aqui não vai haver monotonia, que de quando em vez surgirá algo novo que nos encanta. Hoje, já depois de almoço, aconteceu um desses momentos. Uma ida ao café da aldeia para tomar um Sical e, no regresso, já com chuva miudinha, que o pára águas chinês impedia de me esbofetear, mas não de  bater apressada e aos soluços  no fundo das minhas calças, comandada pelo vento encanado pela  garganta que o traz  do oeste, do lado do mar, decidi aventurar-me por uma pequena rua do centro onde só tinha entrado uma vez, já há muito. Algumas casas, logo no início, mostram que,  transferidos os donos para a habitação eterna, os seus descendentes seguiram o caminho das urbes mais graduadas e não cuidam de suster os telhados e as paredes que vão caindo umas após as outras. Nalgumas só sobram velhos portões de folha de flandres e aros de ferro com as iniciais gravadas dos que um dia quiseram assinar para todo o sempre o seu nome na casa que julgaram passaria a ser a habitação dos descendentes. Felizmente que mais adiante as casas e as terras cheiram a vida pujante: primeiro é um  cão que, antes, silencioso, receoso do que por aí viria, ladra agora furiosamente, assim que percebe que o inimigo que se aproxima  está ao seu alcance, apesar dum pouco mais corpulento, e à medida que os vizinhos cães entram no coro ele sente-se encorajado e decide avançar para mim a passos largos,  mas rapidamente arrepia a corrida com um esgar do forte impulso negativo que a corrente ligada à coleira lhe provocou; recomposto, volta mais uma e outra vez a repetir o alarido e o movimento agressivo, enquanto eu,  seguro da fortaleza do travão que mantém o assanhado no seu curto território, acabo de descobrir uma nova vista do Paço e disparo várias fotos a pensar como seria bom ter mais uma mão para segurar o guarda-chuva. Andando mais um pouco rua  adentro, no quintal grande duma casa com roupa de criança a secar na varanda vejo em estado de alerta geral (alerta vermelho, diria a protecção civil) uma comunidade de ovelhas, com filhos menores, que protegidas por  cornudo macho, me observam atentíssimas, talvez alertadas pelo insistente alarme dos canídeos, mas que quando me chego a elas retomam o longo e penoso horário de pastoreio, próprio dos que foram brindados pela natureza com um sistema alimentar altamente ineficiente (fico contente por estas doces criaturas me considerarem inofensivo…). E há por ali no terreiro carros novos, e há carrinhas de transporte e há tractores de última geração, todos a ilustrar uma agitação que se adivinha acontecer nos dias em que os textos da religião não proíbem os pobres de trabalhar, o que, como sabemos, lamentavelmente, apenas acontece um dia por semana. Sigo mais um pouco, a rua transforma-se em caminho rural, descendo rapidamente de cota em direcção ao rio, e ao desfazer duma curva, apagada a silhueta opaca dos carvalhos, vejo no alto o Paço, montado num monte de carvalhos, loureiros, castanheiros e rochas, muitas rochas, com a sua silhueta granítica de linhas rectas, vidraças brilhantes viradas a norte e a nascente, quais multi-olhos dum gigante de pele amarelada que adormeceu num pico de granito suportado por patamares que se vão agarrando uns aos outros para não caírem encosta abaixo. E lá foi mais uma correria de fotos com o contentamento da descoberta dum novo ângulo a explorar brevemente num dia de sol,  num daqueles dias em acontece a combinação perfeita câmara- natureza que transforma o fotógrafo num simples tripé.