terça-feira, 8 de março de 2011

Felizmente há lobos na Serra da Arada


É sempre com um enorme prazer que saio do Paço para ir à Serra da Arada, tal é a magnitude da paisagem, nunca repetida no espaço e no tempo. Quando há cerca de três anos descobri por acaso esta preciosidade da natureza senti vergonha de já ter ido tão longe no mundo, mesmo aos confins da terra, da Patagónia Chilena à Tasmânia, e não conhecer algo tão belo mesmo ao pé da porta. Coisas da má promoção e da nossa comunicação social que só  vende o que está na moda (o Douro, o Alentejo, o Alqueva, o Algarve). Quantas vezes saí do Paço a caminho do Porto e, em vez de fazer a A25 e chegar ao destino em cerca de uma hora, fui pela serra da Arada e da Freita em direcção a Arouca, e daqui para a invicta, demorando três vezes mais. Mas que passeio ao final do dia, já com o sol a cair no mar lá para o lado de Aveiro! O desenho curvilíneo dos montes rapados nas contra-luzes, que vão variando de minuto a minuto e de curva a curva da estrada, é duma beleza raríssima. As cores e as formas dos montes são outro despertador do nosso sentido do belo: ora bem curvados, aqui e ali com um rebelde cheio de picos pedreiros, ora dispostos em multi-camadas sucessivas, cujas formas e cores se esbatem com a distância, ora únicos no horizonte quando a estrada se afunda, ora deserto de elemento humano, ora pintalgado aqui e acolá com casas e estradas e antenas e aero-geradores.
Hoje de manha lá fui para uma sessão deste prazer, com a ideia de fazer imagens vídeo para um pequeno filme a colocar no Youtube ligado ao site do Paço.
Segui do Paço para S. Pedro do Sul via Negrelos, depois em direcção ao Fujaco. Vinte minutos de viagem e primeira paragem para beber de novo as imagens desta aldeia escondida do mundo. Tantas casas de xisto suspensas nos montes e socalcos, que os humanos fugidos há muito duma qualquer perseguição religiosa tiveram que confeccionar para garantirem espaço onde matar o corpo para matar a fome, lembram-nos o esforço que muitos homens tiveram que fazer ( e ainda fazem, embora cada vez menos) só para sobreviverem. Que força é esta que está dentro de seres inteligentes que os leva a tanto esforço para tão pequeno resultado? Não fora a pontuação da paisagem aldeã com casas aluminadas e coloridas pelos corantes químicos das CIN’s e das Robbialac’s da praça, feitas no tempo  em que os autarcas andavam distraídos da beleza, e a paisagem de casas xistosas seria perfeita. Mesmo assim, vale muito a pena deixar o carro no fundo da aldeia e subir a pé até ao topo. Cada curva do caminho, cada conversa com os locais deixam-nos mais conhecedores da vida que ainda por aqui gira e suas origens. Se fosse hora de almoço e o apetite nos torturasse poderíamos ter almoçado no Rochedo, restaurante que sobrevive do pequeno turismo que aqui chega, especialmente no verão.
De novo na estrada e mais 15 minutos andados estamos no cimo do Monte de S. Macário. É verdade que daqui se avista para um lado a Serra da Estrela e uma boa parte da Beira Alta e, para o outro, em dias limpos, o Porto e uma parte da orla costeira. Mas hoje o dia não estava para vistas largas e o olhar concentra-se no horizonte a 10/15 kms: mais próximos estão os montes limpos de árvores dignas desse nome, com as formas e as cores que já acima descrevi, e mais longe há planuras com manchas arbóreas essencialmente verdes de pinhos. Num dia de verão  vale bem a pena chegar aqui com um farnel e fazer o pique-nique que as mesas, os bancos  e as sombras que algum poder público ali colocou espera que façamos.
Mais um pouco de carro e o desenvolvimento da estrada leva-nos ao deslumbramento da permanente variação da vistas e das formas de tudo o que nos rodeia. Uma cortada à direita, andamos um pouco e já vemos à esquerda bem lá no fundo dos montes a Aldeia da Pena. Não é possível resistir: pára-se de imediato e tem que se despender alguns minutos perceber que paisagista iluminado desenhou aquele povoado, ali aninhado, em forma de ovo, de contornos muito certinhos, com a cor do xisto dos telhados tão uniforme; e, mais uma vez, o que terá levado seres humanos a instalarem-se ali, no fim do mundo, com acessos inexistentes ainda há poucos anos, donde era difícil sair, mas onde era difícil alguém chegar. São casas, uns quantos lameiros bem irrigados e nada mais. Apenas o suficiente para sobreviver longe do mundo.
A manhã já ia muito alta e era preciso regressar ao Paço. No caminho pela estrada que percorre o cume da serra da Arada no sentido este-oeste avistámos um enorme rebanho de cabras junto à estrada, pastoreadas por uma senhora trajada a rigor, acompanhada à distância por um homem mais velho e dois pequenos cães. Fizemos conversa: que eram de Covas do Monte, ali bem perto, lá no fundo doutros montes, que agora andavam em pastoreio comunitário com 700 cabras, mas que já foram mais de 2000, que andaram a povoar a serra com lobos que quase todos os dias lhes atacam o rebanho, que a gente nova se tem ido toda embora, que a actividade com as cabras já não é lucrativa, que quando os velhos de hoje pararem a vida das cabras morre com eles.
Esta conversa dos lobos daria pano para mangas, mas havia que ir ao almoço com a ideia que nos muitos regressos ao local que havemos de fazer havemos de ter sorte de ver os lobos no seu deambular feliz por uma serra onde ainda há cabras tenras e fáceis de conquistar.
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